16 Setembro 2007

Racionalismo e Existência humana

Já vimos, em texto anterior publicado neste local, que a «Racionalidade» não é a dimensão suprema da «Existência humana», mas sim o «Espírito». Também não é a única dimensão e nem sequer sempre a decisiva.

O «intelectualismo» e o «racionalismo» são, justamente, aquela atitude fundamental que dá prioridade e primazia absolutas ao «logos» sobre o «Espírito» e a «Vida», que faz de apenas uma (e, porventura, nem sempre a mais nobre) das dimensões da Existência humana, o «intelecto», a dimensão suprema e única a que todas as outras se deveriam subordinar. É a atitude que precisa se recorrer à «mediação do intelecto» para provar a sua Existência própria («cogito, ergo sum», de DESCARTES), que separa radicalmente (como se tal fosse honestamente possível!…) o «pensamento» do «sentimento», do «vivido», da «vivência» e da «emoção», que não aceita, arrogantemente (como SARTRE), todo o campo do «inconsciente freudiano» e é cega para o lugar e o papel do «Métaconsciente hayekiano», que postula, em suma, uma narcisicamente arrogante, exclusiva, desvinculada, absoluta e totalmente transparente «soberania da consciência, do eu, da vontade e da razão intelectual», sem se questionar, humildemente, quanto ao exacto alcance e limites destes e quanto ao papel de outros factores (transracionais ou não estritamente racionais) na constituição de um conhecimento, de um saber e de uma vivência com um rosto «pessoal». É esta a matriz do «racionalismo construtivista cartesiano», denunciado por FRIEDRICH HAYEK, de feição puramente mentalista e subjectivista, que marca tão caracteristicamente, não só grande parte da Modernidade (como o mostrou MAX WEBER), como, sobretudo, grande parte da cultura francesa ou afrancesada. Dele disse MIGUEL DE UNAMUNO (1864-1936), em «Do sentimento trágico da vida», relativamente à radical incapacidade da «razão formal» e intelectualista cartesiana para exprimir ou respeitar a essência do homem (e o sentimento, a emoção, o vivido e a vivência, a vida e o trágico), que LÙCIFER (i. é, o Mal Absoluto) é o Príncipe dos intelectuais e, por isso, o «Grande Intelectual».

Confortando esta nossa crítica ao «racionalismo moderno», ao «cartesianismo» e ao «intelectualismo», que faz depender o «ser da Existência» do pensamento e do intelecto, veja-se o livro, com autoridade científica, do neurobiólogo português, radicado nos E.U.A., ANTÓNIO R. DAMÁSIO, intitulado justamente: «O Erro de Descartes – Emoção, Razão e Cérebro Humano», Publicações Europa-América, 1 995.

Com efeito, o que este autor e cientista nos veio demonstrar, na sua estrita pers-pectiva da neurociência, é o que já sabíamos de há muito: que a verdade originária de que há-de partir-se não é «Cogito, ergo sum», mas sim, justamente ao contrário, que «Sum, ergo cogito», ou ainda, mais rigorosamente, que «Existo (sou) e “posso” pensar». O pensamento, a razão, o intelecto, é assim apenas «uma» de entre as múltiplas dimensões do «ser da Existência», e nem sempre a decisiva.

E como o século XX foi o século do «intelectualismo» e do «racionalismo», sobretudo o de matriz francesa e cartesiana, ou continental, para ele parece também apropriada a seguinte frase de Lord ACTON: «The age preferred the reign of intellect to the reign of liberty».

E F.A. HAYEK pôde escrever: «(…) Nestas matérias (ciências sociais) nós ainda somos em grande parte guiados por ideias que são pelo menos velhas de um século, tal como o século dezanove foi principalmente guiado por ideias do século dezoito. Mas enquanto que as ideias de HUME e de VOLTAIRE, de ADAM SMTH e KANT, produziram o liberalismo do século dezanove, as de HEGEL e COMTE, de FEUERBACH e MARX, produziram o totalitarismo do século vinte. (…)» – The Counter-Revolution of Science: Studies on the Abuse of Reason, 1 952, 1 979, pág. 399. Este livro demonstra também as origens reaccionárias e autoritárias dos modernos «positivismo» (como «cientismo») e «socialismo», a propósito da obra de SAINT-SIMON e, depois, de COMTE: pág. 226 e passim.

 

 

Coimbra, Setembro de 2 007.

Virgílio de Jesus Miranda Carvalho.