12 Março 2014

Três preceitos constitucionais para uma futuram União Lusófona

Porque, com a Europa, além de alguns valores e princípios fundamentais que nos fazem pertencer à Civilização Ocidental, apenas temos a contiguidade territorial, mas não a língua, verdadeiro cimento de coesão e união de comunidades, também acredito que a nossa vocação futura é atlântica e passa por uma União Lusófona. Por isso, proponho que os primeiros três artigos de uma Constituição, ou Tratado Constitucional, dessa futura União Lusófona, tenham (ou possam ter) a seguinte redacção:

Artigo 1º:
(União Lusófona)

A União Lusófona é uma associação confederativa das Comunidades Humano-Sociais e Povos de língua portuguesa, linguística, cultural e historicamente independentes e uma União Público-Política Aberta, Livre, Soberana e de Direito, fundadas na dignidade, autonomia, liberdade e responsabilidade da Pessoa Humana Individual, bem como na Democracia, e empenhada na viabilização de umas, reais e efectivas, Sociedades Abertas, Livres, Solidárias e Justas.

Artigo 2º.:
(Valores e Princípios Jurídico-Constitucionais Fundamentais)

1.A dignidade, autonomia, liberdade e responsabilidade da Pessoa Humana Individual são pressupostos e condições de todo o Direito ─ o qual se funda também nos princípios da Verdade, da Justiça, da Liberdade, da Segurança e da Paz ─ e limites últimos e absolutos de todo o Poder.
Implicam a autonomia, a liberdade, a igualdade e a responsabilidade das pessoas em comunidade e são fundamento de todos os seus Direitos e Deveres Humanos Fundamentais.

  1. A Democracia funda-se nas opiniões públicas legítimas dos Povos, livremente constituídas e manifestas, no modo de uma sua pública consciência cultural e normativa comum.
    Assenta no razoável pluralismo social, económico, político, cultural, jurídico e de expressão de umas suas Comunidades Abertas.
    Consiste em garantir a possibilidade de participação voluntária de todas as pessoas e entes sociais na vida das comunidades, em autonomia, em liberdade, em igualdade e em responsabilidade.
    Assim como, em possibilitar e promover, activamente, as iniciativas e as dinâmicas das autonomias individuais, sociais, regionais e locais; os princípios da propriedade legítima, da solidariedade e da subsidiariedade; e, consequentemente, os sub-princípios da descon-centração, da descentralização e da regionalização público-políticas-administrativas; bem como, também, o princípio das economias descentralizadas, plurais, abertas e sociais de Mercado e das livres iniciativa e concorrência económicas.
    E garantindo, acima de tudo, jurídica e institucionalmente, a defesa e a possibilidade de uma realização efectiva dos Direitos Humanos e Fundamentais dos Cidadãos, tanto como Direitos Universais de Cidadania, quanto como Direitos de Cidadania Universal.

Artigo 3º.:
(Estados de Direito Democráticos e Sociais)

A União Lusófona, como uma associação confederativa das Comunidades Humano-Sociais e Povos de língua portuguesa, linguística, cultural e historicamente Independentes e uma União Público-Política Aberta, Livre, Soberana e de Direito, incorpora, dentro de si, uns Estados de Direito Democráticos e Sociais, que são fundados e estruturados: no respeito e na garantia primeiros dos Direitos e Liberdades Fundamentais e Humanos das pessoas; na separação e na interdependência, na corresponsabilidade e no equilíbrio, orgânicos e funcionais, entre todos os seus poderes públicos e institucionais, bem como na comum vinculação de todos eles à Constituição (Tratado Constitucional), à Lei e à Ordem de Direito.
Estados esses que são fundados, também, na soberania legítima dos Povos, a qual se exprime no modo de uma sua pública consciência cultural e normativa comum, como opinião pública legítima e no contexto de um seu razoável pluralismo social, económico, cultural, jurídico e de expressão política.
E os quais, Estados, têm ainda por objectivos, a possibilitação da realização efectiva de umas Democracias Económicas, Sociais e Culturais e de uma alargada Democracia Cosmopolita.
E que visam ainda e finalmente, a viabilização e o aprofundamento de umas, concreta e socialmente contextualizadas, Democracias Participativas e Dialógicas.

COMENTÁRIO:

Isto, deve reconhecer-se, é uma Utopia.
Mas é uma Utopia Positiva, que, ao contrário da Utopia Negativa ─ que é essencialmente uma negação e rejeição total, radical e completa de toda a realidade aí existente (A Grande Recusa, como lhe chamou HERBERT MARCUSE) ─ aceita essa realidade positiva aí existente, mas a transcende, projectando-se no futuro e dirigindo, a essa realidade, exigências normativas e éticas fundamentais. Neste sentido, é uma Utopia Realista (JOHN RAWLS), ou um Realismo Utópico (ANTHONY GIDDENS), como o são todas as utopias jurídicas.
Aliás, pode também dizer-se que esta nossa utopia se encontra já contida no Métaconsciente Cultural (FRIEDRICH HAYEK) e na tradição da nossa Civilização Greco-Romana, Judaico-Cristã e Europeia, ou Ocidental e Atlântica, ou seja, aquela superestrutura social de conceitos, valores e princípios que, não sendo sempre inteiramente conscientes, todavia condicionam e dirigem muito da nossa acção e do nosso comportamento. Também se lhe pode chamar Noosfera, ou o Mundo dos Valores (NICOLAI HARTMAN), ou Super-Eu Cultural (SIGMUND FREUD), ou ainda o Mundo 3 (KARL POPPER).

VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.).

A referência última

Temos que reconhecer que é uma exigência intrínseca do «Espírito Humano» o pensamento de um irrepresentável «Princípio Absoluto de todas as coisas», ou a tendência para reduzir (melhor: re-ligar) tudo a um «único princípio»: é uma sua exigência intrínseca de «unidade», na incomensurável multiplicidade das dimensões que se deparam ao seu conhecimento e experiência.

Neste contexto, «Deus», como referência última, que apenas se pode enunciar, pensado como «Alteridade Absoluta» e fugazmente pressentido como «Infinitos Bondade e Amor», bem poderá ser talvez a «Resposta» que damos à «Grande Incógnita» que permanece e resiste lá no fundo de nós e para além de tudo o pouco que sabemos, experienciamos e explicamos provisoriamente sobre nós próprios, a nossa Existência e o Universo Englobante … Mesmo porque nos é tão insuportável e difícil permanecermos expectantes e indecisos face a um tão grande «Ponto de Interrogação»: a iniludível, incontornável, mas persistente e nunca respondida, pergunta última sobre a «origem», a «causa primeira» ou a «razão de ser», o «sentido último» e o «fim» (o além…) de «tudo» o que existe (de todo o Universo, de toda a Vida e de todo o Ser) e que conhecemos, explicamos e compreendemos provisoriamente e mais ou menos imperfeitamente, dentro das nossas limitadas possibilidades de compreensão e de intelecção… Ou a resposta possível para a interrogação metafísica de que: «Porque há “Ser” em vez de “Nada” ?». Uma pergunta a que, nem a razão só intelectual, nem a ciência, respondem em definitivo.

Mas, para nós, a Sua plena inteligibilidade e compreensão não está, em definitivo, ao alcance das nossas limitadas possibilidades humanas e do equipamento mental com que fomos dotados. Pois, como o tinha dito já IMMANUEL KANT (Cfr. Crítica da Razão Pura, 1781–87, 3ª. edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1994, pág. 531): «O Ser supremo mantém-se, pois, para o uso meramente especulativo da razão, como um simples “ideal”, embora “sem defeitos”, um conceito que remata e coroa todo o conhecimento humano; a realidade objectiva desse conceito não pode, contudo, ser provada por esse meio, embora também não possa ser refutada».

Ou seja: a nossa pobre, precária e indigente condição humana, de «radical desamparo» e de estrutural e finita imperfeição e «carência ontológica», impele-nos necessariamente para a busca incessante e constante desse «Absoluto Moral», que, assente nos nossos dois maiores bens, que são, conjuntamente, a «Paz» e a «Liberdade», só poderá dar-se pelo nome de «Deus». E isto não pode ser provado, nem refutado, só «racionalmente». É obra do «Espírito» mais do que da estrita «Razão Pura».

Nem, todavia e por outro lado, alguma vez pudemos apercebermo-nos de alguma clara e inequívoca «Revelação», ou sequer supormo-nos dignos de alguma «Graça», especial e pessoalmente endereçada.

Por isso, Ele permanece, rigorosamente, um «Mistério», acerca Do Qual nada se pode predicar. Só pode, portanto, ser assunto de «Fé» (ou de «Esperança»), acerca das quais se deve antes guardar prudente silêncio.

Também aqui deve imperar sempre o pensamento da «possibilidade transcendental», i. é, a «possibilidade de possibilidade», que mantém sempre em aberto a «possibilidade última» (Cfr. NICOLA ABBAGNANO).

Por outro lado, trata-se, portanto, aqui, mais de uma «Fé Filosófica», ou «Metafísica», do que pròpriamente de uma «Fé Teológica» ou «Litúrgica» (Cfr. KARL JASPERS) que, sem obliterar tudo quanto deve ao Cristianismo, nem pretender contornar («racionalmente»?) o problema da «Transcendência», mas antes abrir-se a ele, contudo se mantém equidistante e para além de todas as Religiões e Igrejas estabelecidas.

VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.)