26 Agosto 2007
As formas «verticais» da Liberdade (Liberdade teológica, religiosa ou «para Deus»; e Liberdade Espiritual ou «para o Absoluto», para a «validade categórica» e o «incondicionado de sentido»), que são sempre formas de uma «liberdade para…» e que implicam também sempre os valores de «Responsabilidade» e da «Vinculação», implicam ainda as inelimináveis dimensões de hierarquia, de prioridade ou escalonamento, de qualificação e de mérito, de verticalidade, etc., bem como, obviamente a indenegabilidade do «Espírito», para além e enquanto distinto da mera «racionalidade» ou «intelectividade» (o «noús» aristotélico), ou da mera «razão lógico-dissociativa» ou «crítico-analítica», própria da «ciência moderna» e como dimensão «transcendens» e suprema da Existência.
Na «unitas multiplex», que é a pessoa humana individual, a «Racionalidade» pertence mais ao estrato intermédio da personalidade de dimensão vivencial, crítico-racional e de ego da realidade, enquanto que a «Espiritualidade» se encontra mais na terceira dimensão da relação introceptiva e puramente humana da pessoa com os «valores» e o «mundo dos «valores».
À «Racionalidade», concebemo-la tanto «crítica» como «prática». Mas, na verdade, o «Espírito» é mais criativo, simbolizador, interrogante, dialéctico, integrador ou totalizador e sintetizante (melhor: religante). Possui, sobretudo, uma dimensão «vertical» e «fundadora» (ou fundacional) de que carece a estrita «razão» só «teórica», ou «técnica», do racionalismo e intelectualismo modernos: estes últimos têm a ver mais com os «conceitos», os «procedimentos», os «processos», a «lógica» e o estrito princípio da «não-contradição», a «explicação», a «instrumentalidade», a «operacionalidade», a «experimentalidade» e os «meios»; aquele primeiro tem a ver mais com as «ideias», os «ideais», os «valores», os «princípios», os «fundamentos», os «sentidos», a «compreensão», a «experiencialidade» e os «fins». Este último é também o terreno privilegiado, não tanto da «ciência» em sentido estrito e moderno, mas da «sapiência», da «filosofia», das «ciências da cultura e do espírito», da «hermenêutica», da «arte», das «humanidades» e do «humanismo». É por isto mesmo que nós rejeitamos decididamente o «racionalismo» e o «intelectualismo» modernos e cartesianos e nunca nos definiríamos como «um intelectual», ou jamais assumiríamos a «pose do intelectual» (a qual, de resto, abominamos), já que nem todos os seres inteligentes são «intelectuais» !
O «Espírito», que é sinónimo de «Liberdade», implica também a capacidade de reflexão total sobre si mesmo, ou seja uma «consciência reflexa»; revela-se, mais do que no insondável interior da consciência, nas «obras culturais» do homem, na criatividade, nos valores, no acto estético e ético e no amor. Mas hoje já não se entende, como o entendeu o «idealismo absoluto e objectivo» de um HEGEL, em termos meramente objectivos e desligado de referência à subjectividade criadora, da referência ao carácter «pessoal» da sua actividade.
Ao «Espírito» se deve, designadamente, a possibilidade de uma auto-compreensão globalizadora de todos os sentidos possíveis da Liberdade humana, na visão, na exigência e na experiência integradas e possíveis de uma «Existência humana livre, digna e responsável».
E porque, sendo porventura todo o social humano, todavia, «nem todo o humano é social», o homem, como «pessoa moral e espiritual», transcende sempre, em Liberdade e em Espiritualidade, a própria «sociedade política» e está acima e para além dela, seja no espaço privado de uma dimensão de «liberdade negativa» ou «liberal», seja «eticamente» e como «valor absoluto» superior à sociedade e ao Estado, seja nos seus fins últimos da «contemplação» da Verdade, pelo conhecimento, da Beleza, pela estética, do bem e do Amor, pelo acto ético e pelo acto relacional, ou mesmo na tensão ek-stática, supra-temporal e de transfinitude para o «Transcendente»: o «Englobante» o «Ser», «Deus».
Coimbra, Agosto de 2 007.
Virgìlio de Jesus Miranda Carvalho.
Em relação à «natureza humana comum e universal», entendida como uma «constituição ontológico-fundamental» do ser humano (MARTIN HEIDEGGER) – e bem assim, em relação também ao «mundo» em que o homem existe e vive, pois que uma certa «auto-compreensão» não está em absoluto desligada de uma certa «pré-compreensão» do próprio «mundo», como o seu «horizonte», sendo este predominantemente um «mundo social ou civilizacional» -, pode ter-se uma «atitude fundamental», que poderá oscilar entre os extremos de um optimismo ou de um pessimismo «absolutos», com as suas gradações intermédias de um optimismo ou de um pessimismo «relativos».
Contra o «pessimismo desiludido» de certa Direita (para a qual o homem seria «naturalmente mau» e incorrigivelmente «imperfectível»); e contra também o «optimismo ingénuo, inflaccionado e grandioso» (e fortemente dogmático) de certa Esquerda e da «intelligentzia» dita «progressista» – para quem o homem seria «originaria e naturalmente bom», puro, sociável (e só sociável…), fraterno, ilimitadamente perfectível, bem como também a sociedade, que se poderia manipular livremente no sentido de também uma ilimitada perfectibilidade ideal (ROUSSEAU e seus seguidores) – nós temos defendido um fundado «optimismo crítico, realista e moderado», no sentido do «realismo crítico» popperiano, mas de algum modo também correspondente ao «optimismo relativo» do realismo cristão, em relação ao ser humano e à sociedade.
Por seu lado, com alguma coincidência com esta nossa última «atitude fundamental», EMMANUEL MOUNIER terá defendido, no seu tempo e circunstância, um «optimismo trágico».
Quanto a nós, do lado «realista e crítico» do nosso «optimismo relativo», retiramos o que o político do P.S.D., Dr. PACHECO PEREIRA, há algum tempo, num programa radiofónico semanal da T.S.F., dizia ser o seu «pessimismo da inteligência». Com efeito, ao optimismo eufórico e inflacionado da Esquerda política, ele contrapunha um «pessimismo da inteligência» e um «optimismo da vontade». Nós preferiríamos dizer, talvez, um «realismo da inteligência». Por um lado, não podemos desconhecer a «realidade» (pela inteligência); mas por outro lado, não podemos deixar de tentar realizar (pela vontade) os «valores ideais» e os «imperativos éticos» que se apresentam à nossa consciência moral.
Na verdade, contra o optimismo filosófico absoluto de um LEIBNIZ, de um ESPINOZA, de um MALEBRANCHE e sobretudo do positivismo de um HEGEL, nós não iludimos a realidade existente do «mal» no mundo e no homem e as suas limitações e imperfeições, embora susceptíveis de contínuo aperfeiçoamento pelo esforço humano.
Podemos, decerto, ter uma «presunção» apenas «relativa» da «bondade natural» do ser humano e até da sua Liberdade; mas são tais e tão abundantes as evidências do «Mal» de que ele também é capaz, da maldade, da perversidade, do egoísmo e do egocentrismo, da inveja e da cobiça, do ódio, da corrupção e das velhacarias a que se entrega tão facilmente, que não podemos subscrever, tranquilamente, uma qualquer «teoria da pessoa humana» (e, em decorrência disso, uma qualquer «teoria da sociedade») intrinsecamente, ou exclusivamente, «optimistas».
Todavia, este nosso «relativo pessimismo» é (ou pretende ser) apenas, como dissemos, um «realismo da inteligência»: apesar daquela referida maldade e perversidade intrínsecas do ser humano, nós acreditamos, com excepção dos casos definitivamente patológicos e comprovadamente irreversíveis, na «relativa perfectibilidade humana».
Por outro lado, porque também, no mundo, nem tudo é mau; porque afinal «este» mundo em que vivemos (e não conhecemos ainda outro…) também tem coisas boas; porque, afinal, como o diz o dito popular, «a esperança é a última a morrer»; porque há também ainda tantos exemplos e evidências da «pureza» e da «excelência» humanas – permanece vivo e actuante o que PACHECO PEREIRA queria dizer com um «optimismo da vontade»: um optimismo que se quer «crítico» e «realista» (relativo e moderado); mas um optimismo que não quer transigir com a passividade abdicante, mas se quer «activo» e «crente» na possibilidade, apesar de tudo ainda aberta, de combater, pelo «Eros», o «Mal». Por exemplo, através de reformas sociais («reformismo crítico»), de reformas de paradigmas civilizacionais e culturais e de sistemas normativos e políticos: a «luta pelo Direito» (IHERING), por exemplo, e a «Métapolítica» (HAYEK) como «conversação com a humanidade» (RICHARD RORTY).
Ponto é que, em nós próprios, aquele «pessimismo (ou realismo) da inteligência» não contamine irreversivelmente o referido «optimismo da vontade» e que este possa permanecer regenerado e íntegro.
Coimbra, Agosto de 2007.
Virgílio de Jesus Miranda Carvalho.
18 Agosto 2007
A «juventude», especialmente na «adolescência», já é, de sua natureza, tanto de um ponto de vista psicológico, como de um ponto de vista sociológico, uma faixa etária «para-marginal». Não tanto por ser eventualmente um grupo social minoritário, quantitativamente, em relação à generalidade da população – pode até nem o ser -, mas mais por ser, qualitativamente, uma fracção da população «ainda não inserida socialmente», por via de regra, nos núcleos mais integrados e integradores da sociedade e, também, fortemente dependente, psicológica (afectiva) e economicamente. A sua «ainda não inserção» em contextos sociais de forte «integração», ou que mais fortemente potenciam a «integração social» – o mundo do trabalho, por exemplo -, e a ausência de vínculos sociais suficientemente «corresponsabilizantes», para além da família, tornam essa faixa etária um grupo (ou série diversificada de grupos) potencialmente «marginais» em relação à sociedade em geral e, por isso, altamente vulneráveis.
Mas essa potencial «marginalidade social juvenil» é, nos nossos dias, potenciada e ampliada pelos sistemas educativos quase exclusivamente «estatizados» e «massificantes» que temos. Enquanto não forem superados, tanto o mito jacobino e revolucionário da monista e exclusivista «Escola Pública», como a mania socialista de tudo uniformizar e reduzir ao mesmo padrão, i. é, de uma «Escola» sobredimensionada e sobrepovoada, mas unificada, padronizada, fortemente hierarquizada e centralizada, inserida num modelo vertical, napoleónico e monista de escala ainda moderno-industrial e de massas, dirigido a partir de um único centro estatal – o que teremos será a «massificação» e a «desumanização» da juventude e a potenciação da sua própria «marginalidade social», pela ausência de concretos «contextos» e «vínculos» de responsabilidade/responsabiliza- ção, com tudo o que acompanha essa marginalidade.
Quanto à «Escola» propriamente dita, enquanto «cada escola» (com minúsculas) não for concebida e vivida como uma autêntica «pequena comunidade educativa local», descentralizada, de dimensão mínima e à escala humana, integrada em contextos sociais «locais», como uma das «pequenas comunidades de vida e de saber», ou «mundos-da-vida», de que fala BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, pensada e vivida como um verdadeiro prolongamento e suporte externo da «família» e também, como esta, como uma «comunidade de afectos, de educação e de cultura» (VITTORIO POSSENTI), com completa «autonomia» (cultural, pedagógica, programática, administrativa e financeira), privatizada, ou não, mas apenas vinculada normativamente a um quadro geral mínimo de matérias essenciais e de linhas programáticas gerais, em que sejam veiculados e partilhados, participativa e afectivamente, mais do que uma infindável lista de matérias, de saberes, de competências, de perícias e de mestrias (como sucede actualmente), antes os valores de respeito pelo «próximo» percebido como «ser humano» e como «pessoa», da tolerância, da autonomia, da vinculação responsável, da participação e da corresponsabilidade, pródromo para uma elevada educação para uma «Cidadania Global» e de civismo, bem como de respeito pelos superiores valores públicos e pela Ética – não teremos uma juventude que se prepara para uma ulterior integração social tranquila e para um futuro de responsabilidade.
A situação que temos não será superada enquanto não for substituído o modelo monista, centralista, administrativista e maioritariamente estatizado, que é o que temos, por um modelo «concorrencial» verdadeiramente «pluralista» e «descentralizado», i. é, por uma pluralidade horizontal e diversificada de muitas e diferentes «escolas», como «instituições» e «pequenas comunidades educativas locais», verdadeiramente autónomas e descentralizadas, mas socialmente contextualizadas (a que os jovens se sintam ligados por uma relação de «pertença») e apenas vinculadas a um quadro normativo geral e abstracto, mínimo, e igual para todas.
Por outro lado, um «modelo concorrencial», com liberdade programática e pedagógica para as escolas, bem como auto-responsabilidade pelo financiamento, seria, não só factor de busca de «excelência» por parte de cada escola, como de potenciação da «liberdade para escolher», por parte dos pais e/ou dos alunos, pelo fomento da visibilidade e da transparência quanto à «qualidade do ensino» ministrado por cada «escola», comparativamente com as outras.
17 Agosto 2007
-
A «Ordem de Direito» é uma «utopia positiva».
Devemos começar por caracterizar e distinguir entre «Utopia Negativa» e «Utopia Positiva». Distinguiremos estas duas formas de «Utopia» do seguinte modo: a primeira é a negatividade (ou a negação) total e radical de todo o positivo real aí existente, em termos sociais, culturais e civilizacionais; contrapõe-se à realidade positiva pela sua negação e contradição absolutas e nada oferece como alternativa ─ é o «Nada», o «Não», de tudo o que existe: a «Grande Recusa», lhe chamou HERBERT MARCUSE. Um exemplo é, quanto a nós, sem dúvidas, a utopia marxista, ou as que, de algum modo, se vão, ainda hoje, nela filiar. Já a «Utopia Positiva» tem uma certa positividade, de duas formas: por um lado, ela já existe, positivamente, naquela superestrutura civilizacional que FRIEDRICH HAYEK designou como o «Métaconsciente» cultural de uma dada Civilização ─ ou o que SIGMUND FREUD designou como o «Super-Eu Cultural»; o que KARL POPPER chamou de o «Mundo 3»; e o que NICOLAI HARTMANN chamou de «Noosfera», ou o «Mundo dos Valores». E, estando acima e para além da mera realidade social imediata, mas em consonância com ela e não a contradizendo, ou sem a negar (a outra forma da sua positividade), por outro lado dirige-lhe «exigências normativas»: ou porque os seus Valores podem não se ter realizado de todo, ou todos; ou serem atraiçoados e negados pelas vicissitudes da vida corrente; ou só se realizarem parcialmente, ou defeituosamente ─ e é nesta «exigência normativa» à realidade social e civilizacional e positiva corrente e quotidiana que está o «diferencial» de um «Mais», ou de um «Excesso», que faz dela, ainda, uma «Utopia». Por outro lado, ela tem de ser permanentemente «construída» e «re-constituída», ou feita (re)-nascer pelas pessoas, para se manter válida e positivamente vigente ─ i. é, para serem mantidos o seu alcance de exigência e a sua memória presente. Autores como JONH RAWLS falam de uma «Utopia Realista»; e ANTHONY GIDDENS fala de um «Realismo Utópico». Isto porque, muito do que deve ser mantido como exigência normativa à realidade, está já aí: nos Valores e dimensões da Cultura vigente e já existente e alimentando esta.
2. A «Ordem de Direito» faz parte do «Métaconsciente» cultural da nossa «Civilização Greco-Romana, Judaico-Cristã e Europeia ou Ocidental e Atlântica»: i. é, daquela superestrutura de valores, princípios, pré-concepções, categorias, conceitos e quadros mentais que, não sendo sempre inteiramente «consciente», todavia condiciona muito das nossas condutas, práticas e atitudes comuns. É assim, também, uma «Utopia Normativo-Cultural e Jurídico-Política Aberta», que, simultaneamente, pressupõe a aponta para uma correlativa «Comunidade de Direito».
3. A «Comunidade de Direito» e a «Ordem de Direito» são, pois, uma «Comunidade de Pessoas» e uma «Ordem entre Pessoas» ─ as quais são, pelas primeiras, pressupostas e sem as quais elas não existiriam. E a pré-eminência, soberania e dignidade normativas do «Direito» são, fundamentalmente e antes do mais, uma pré-eminência, soberania e dignidade «Éticas» das «Pessoas».
O valor primeiro da «Comunidade de Direito» e da «Ordem de Direito» é, portanto, o valor da «Pessoa Humana Individual», concreta, singular, diferenciada e individuadamente considerada.
Dele decorem os valores:
a) – Da «Dignidade Humana»: a «Humana Dignitas» de que falou IMMANUEL KANT, justamente, como «Dignidade» de um «Sujeito Ético»;
─ da «Autonomia»: que é, sobretudo, a autonomia para o fundamento, para o compromisso e para a vinculação consentida ─ a autonomia «ética» e/ou «moral», ou seja, o depender, acima de tudo, da sua própria «Lei Interna»;
─ da «Liberdade», como liberdade ontológica e abertura do homem ao Ser, seja como liberdade liberal negativa, seja pelas liberdades positivas (liberais não-participativas e democrático-participativas);
─ e da «Responsabilidade»: a qual, particularmente nas formas relacionais da liberdade, consiste na auto-vinculação para a heteronomia e para «algo» de exterior que nos prende e nos compromete; embora não deixe de existir, desde logo, como «responsabilidade perante si próprio» e pela «auto-conformação da própria personalidade».
b) ─ Da «Natureza Humana Comum e Universal», entendida como «constituição ontológico-fundamental» do ser humano (MARTIN HEIDEGGER), bem como da situação do «estar-em-comunidade» deriva ainda o valor da «Igualdade» ─ desde logo como igualdade «radical» ou «ontológica» entre as pessoas; pois, a um nível já «ôntico», podem subsistir desigualdades e/ou diferenciações, quer «verticais» (ou «de mérito»), quer «horizontais» (ou «idiossincráticas»).
Da «Igualdade», assim entendida, decorrem os princípios:
─ de uma igual dignidade e liberdade sociais;
─ de uma igualdade de «estatutos de cidadania» e/ou de «direitos humanos fundamentais», quer como «direitos universais de cidadania», quer como «direitos de cidadania universal»;
─ de uma igualdade perante, no e para o Direito;
─ e de uma subsidiária e complementar «igualdade equitativa de oportunidades» (JOHN RAWLS);
─ bem como o valor jurídico-político da «Democracia», com a sua «igualdade democrática»; mas que, dadas as desigualdades «verticais» ou «de mérito» acima referidas (v.g., as «aristocracias»), exige ser integrada num mais complexo e realista «regime de Constituição Mista»; todavia, ao seu nível próprio, a «Democracia» implica sobretudo o valor da «Participação», bem como deveres sociais concretamente contextualizados de «Solidariedade» e de «Corresponsabilidade» comunitárias.
4. Mas há ainda um outro conjunto de valores que integram a «Ordem de Direito»; são eles:
a) ─ A «Verdade», como «revelação» e «desocultamento» (alétheia) primeiro (HEIDEGGER); e, depois, como «adequação do intelecto às coisas» (fórmula clássica). Ela implica a «Verdade do Homem» e a «Verdade de cada homem»; a «Verdade da Lei Moral Universal» (KANT) e a «Verdade Moral de cada Pessoa»; bem como a «Verdade intrínseca da Natureza das Coisas», qualquer que possa ser, ainda hoje, o sentido útil desta expressão. Todavia, ela é sempre um Ideal Méta-Referencial, que está sempre para além das «verdades», virtual e pontualmente alcançáveis, historicamente; ela é, como pura Idealidade, um valor Meta-Histórico e Meta-Empírico.
b) ─ A «Justiça», que é o valor normativo específico e sobredeterminante do Direito, como a exacta e rigorosa correspondência, proporção e adequação entre o «Ser» e o «Dever-Ser», por forma a que nem o Ser repouse, sempre e só, permanentemente, «em si», num total e acabado imanentismo, mas que se «abra» e se «transcenda» em direcção ao Dever-Ser; e por forma a que este não faça exigências excessivas, desproporcionadas, incomportáveis e insuportáveis ao Ser, violando a sua «natureza essencial própria». A «Justiça» não é assim só «Equidade» (JOHN RAWLS); nem mesmo «Igualdade Complexa» (MICHAEL WALZER); nem, muito menos, estrita «igualdade» (=igualitarismo); mas, essencialmente, «Proporção»: «hominis ad hominem proportio» (DANTE).
c) ─ A «Liberdade», nos termos já vistos, como liberdade liberal negativa e liberdades positivas (liberais não-participativas e liberdades participativas). E da qual disse HEGEL que «o Direito, portanto, é, em geral, a Liberdade como Ideia» e o «Reino da Liberdade Realizada», já que ele é o «reino da vontade livre» e, por isso, «em geral, algo de Sagrado».
d) ─ A «Segurança»: como ordem efectiva, unidade integrada dessa ordem, institucionalização, estabilidade e continuidade, certeza jurídica, exigência de positividade ou vigência, eficácia, Etc.
e) ─ E, finalmente, a «Paz»: no mínimo, como «ausência negativa de tensões e conflitos»; no óptimo, como «convergência, harmonia positiva e compossibilidade de posições e vontades», i. é, como «Concórdia», à qual se referiu sistematicamente JOÃO PAULO II.
5. ─ É esta, quanto a nós, a «Axiologia Transpositiva», ou o «Paramount Law», que especificam, exigindo, uma qualquer Ordem Civilizacional como uma propriamente dita «Ordem de Direito».
Coimbra, Agosto de 2 007.
Virgílio de Jesus Miranda Carvalho.