17 Janeiro 2016
Acompanho Sua Santidade o Papa FRANCISCO, com esta minha meditação já expressa algures: que a nossa pobre, precária e indigente condição humana de um torturado e angustiado estado de «radical desamparo» (hilflossigkeit) e de umas estruturais e finitas «incompletude, insuficiência e carência ontológicas» nos impelem necessariamente para a busca interminável desse transcendente e incomensurável «Absoluto Moral», o qual, a partir dos nossos dois maiores e mais íntimos e preciosos bens, que são, conjuntamente e uno acto, na prática existencial vivida, a Paz e a Liberdade, só poderá dar-se pelo nome de «Deus».
12 Março 2014
Porque, com a Europa, além de alguns valores e princípios fundamentais que nos fazem pertencer à Civilização Ocidental, apenas temos a contiguidade territorial, mas não a língua, verdadeiro cimento de coesão e união de comunidades, também acredito que a nossa vocação futura é atlântica e passa por uma União Lusófona. Por isso, proponho que os primeiros três artigos de uma Constituição, ou Tratado Constitucional, dessa futura União Lusófona, tenham (ou possam ter) a seguinte redacção:
Artigo 1º:
(União Lusófona)
A União Lusófona é uma associação confederativa das Comunidades Humano-Sociais e Povos de língua portuguesa, linguística, cultural e historicamente independentes e uma União Público-Política Aberta, Livre, Soberana e de Direito, fundadas na dignidade, autonomia, liberdade e responsabilidade da Pessoa Humana Individual, bem como na Democracia, e empenhada na viabilização de umas, reais e efectivas, Sociedades Abertas, Livres, Solidárias e Justas.
Artigo 2º.:
(Valores e Princípios Jurídico-Constitucionais Fundamentais)
1.A dignidade, autonomia, liberdade e responsabilidade da Pessoa Humana Individual são pressupostos e condições de todo o Direito ─ o qual se funda também nos princípios da Verdade, da Justiça, da Liberdade, da Segurança e da Paz ─ e limites últimos e absolutos de todo o Poder.
Implicam a autonomia, a liberdade, a igualdade e a responsabilidade das pessoas em comunidade e são fundamento de todos os seus Direitos e Deveres Humanos Fundamentais.
- A Democracia funda-se nas opiniões públicas legítimas dos Povos, livremente constituídas e manifestas, no modo de uma sua pública consciência cultural e normativa comum.
Assenta no razoável pluralismo social, económico, político, cultural, jurídico e de expressão de umas suas Comunidades Abertas.
Consiste em garantir a possibilidade de participação voluntária de todas as pessoas e entes sociais na vida das comunidades, em autonomia, em liberdade, em igualdade e em responsabilidade.
Assim como, em possibilitar e promover, activamente, as iniciativas e as dinâmicas das autonomias individuais, sociais, regionais e locais; os princípios da propriedade legítima, da solidariedade e da subsidiariedade; e, consequentemente, os sub-princípios da descon-centração, da descentralização e da regionalização público-políticas-administrativas; bem como, também, o princípio das economias descentralizadas, plurais, abertas e sociais de Mercado e das livres iniciativa e concorrência económicas.
E garantindo, acima de tudo, jurídica e institucionalmente, a defesa e a possibilidade de uma realização efectiva dos Direitos Humanos e Fundamentais dos Cidadãos, tanto como Direitos Universais de Cidadania, quanto como Direitos de Cidadania Universal.
Artigo 3º.:
(Estados de Direito Democráticos e Sociais)
A União Lusófona, como uma associação confederativa das Comunidades Humano-Sociais e Povos de língua portuguesa, linguística, cultural e historicamente Independentes e uma União Público-Política Aberta, Livre, Soberana e de Direito, incorpora, dentro de si, uns Estados de Direito Democráticos e Sociais, que são fundados e estruturados: no respeito e na garantia primeiros dos Direitos e Liberdades Fundamentais e Humanos das pessoas; na separação e na interdependência, na corresponsabilidade e no equilíbrio, orgânicos e funcionais, entre todos os seus poderes públicos e institucionais, bem como na comum vinculação de todos eles à Constituição (Tratado Constitucional), à Lei e à Ordem de Direito.
Estados esses que são fundados, também, na soberania legítima dos Povos, a qual se exprime no modo de uma sua pública consciência cultural e normativa comum, como opinião pública legítima e no contexto de um seu razoável pluralismo social, económico, cultural, jurídico e de expressão política.
E os quais, Estados, têm ainda por objectivos, a possibilitação da realização efectiva de umas Democracias Económicas, Sociais e Culturais e de uma alargada Democracia Cosmopolita.
E que visam ainda e finalmente, a viabilização e o aprofundamento de umas, concreta e socialmente contextualizadas, Democracias Participativas e Dialógicas.
COMENTÁRIO:
Isto, deve reconhecer-se, é uma Utopia.
Mas é uma Utopia Positiva, que, ao contrário da Utopia Negativa ─ que é essencialmente uma negação e rejeição total, radical e completa de toda a realidade aí existente (A Grande Recusa, como lhe chamou HERBERT MARCUSE) ─ aceita essa realidade positiva aí existente, mas a transcende, projectando-se no futuro e dirigindo, a essa realidade, exigências normativas e éticas fundamentais. Neste sentido, é uma Utopia Realista (JOHN RAWLS), ou um Realismo Utópico (ANTHONY GIDDENS), como o são todas as utopias jurídicas.
Aliás, pode também dizer-se que esta nossa utopia se encontra já contida no Métaconsciente Cultural (FRIEDRICH HAYEK) e na tradição da nossa Civilização Greco-Romana, Judaico-Cristã e Europeia, ou Ocidental e Atlântica, ou seja, aquela superestrutura social de conceitos, valores e princípios que, não sendo sempre inteiramente conscientes, todavia condicionam e dirigem muito da nossa acção e do nosso comportamento. Também se lhe pode chamar Noosfera, ou o Mundo dos Valores (NICOLAI HARTMAN), ou Super-Eu Cultural (SIGMUND FREUD), ou ainda o Mundo 3 (KARL POPPER).
VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.).
Temos que reconhecer que é uma exigência intrínseca do «Espírito Humano» o pensamento de um irrepresentável «Princípio Absoluto de todas as coisas», ou a tendência para reduzir (melhor: re-ligar) tudo a um «único princípio»: é uma sua exigência intrínseca de «unidade», na incomensurável multiplicidade das dimensões que se deparam ao seu conhecimento e experiência.
Neste contexto, «Deus», como referência última, que apenas se pode enunciar, pensado como «Alteridade Absoluta» e fugazmente pressentido como «Infinitos Bondade e Amor», bem poderá ser talvez a «Resposta» que damos à «Grande Incógnita» que permanece e resiste lá no fundo de nós e para além de tudo o pouco que sabemos, experienciamos e explicamos provisoriamente sobre nós próprios, a nossa Existência e o Universo Englobante … Mesmo porque nos é tão insuportável e difícil permanecermos expectantes e indecisos face a um tão grande «Ponto de Interrogação»: a iniludível, incontornável, mas persistente e nunca respondida, pergunta última sobre a «origem», a «causa primeira» ou a «razão de ser», o «sentido último» e o «fim» (o além…) de «tudo» o que existe (de todo o Universo, de toda a Vida e de todo o Ser) e que conhecemos, explicamos e compreendemos provisoriamente e mais ou menos imperfeitamente, dentro das nossas limitadas possibilidades de compreensão e de intelecção… Ou a resposta possível para a interrogação metafísica de que: «Porque há “Ser” em vez de “Nada” ?». Uma pergunta a que, nem a razão só intelectual, nem a ciência, respondem em definitivo.
Mas, para nós, a Sua plena inteligibilidade e compreensão não está, em definitivo, ao alcance das nossas limitadas possibilidades humanas e do equipamento mental com que fomos dotados. Pois, como o tinha dito já IMMANUEL KANT (Cfr. Crítica da Razão Pura, 1781–87, 3ª. edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1994, pág. 531): «O Ser supremo mantém-se, pois, para o uso meramente especulativo da razão, como um simples “ideal”, embora “sem defeitos”, um conceito que remata e coroa todo o conhecimento humano; a realidade objectiva desse conceito não pode, contudo, ser provada por esse meio, embora também não possa ser refutada».
Ou seja: a nossa pobre, precária e indigente condição humana, de «radical desamparo» e de estrutural e finita imperfeição e «carência ontológica», impele-nos necessariamente para a busca incessante e constante desse «Absoluto Moral», que, assente nos nossos dois maiores bens, que são, conjuntamente, a «Paz» e a «Liberdade», só poderá dar-se pelo nome de «Deus». E isto não pode ser provado, nem refutado, só «racionalmente». É obra do «Espírito» mais do que da estrita «Razão Pura».
Nem, todavia e por outro lado, alguma vez pudemos apercebermo-nos de alguma clara e inequívoca «Revelação», ou sequer supormo-nos dignos de alguma «Graça», especial e pessoalmente endereçada.
Por isso, Ele permanece, rigorosamente, um «Mistério», acerca Do Qual nada se pode predicar. Só pode, portanto, ser assunto de «Fé» (ou de «Esperança»), acerca das quais se deve antes guardar prudente silêncio.
Também aqui deve imperar sempre o pensamento da «possibilidade transcendental», i. é, a «possibilidade de possibilidade», que mantém sempre em aberto a «possibilidade última» (Cfr. NICOLA ABBAGNANO).
Por outro lado, trata-se, portanto, aqui, mais de uma «Fé Filosófica», ou «Metafísica», do que pròpriamente de uma «Fé Teológica» ou «Litúrgica» (Cfr. KARL JASPERS) que, sem obliterar tudo quanto deve ao Cristianismo, nem pretender contornar («racionalmente»?) o problema da «Transcendência», mas antes abrir-se a ele, contudo se mantém equidistante e para além de todas as Religiões e Igrejas estabelecidas.
VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.)
25 Agosto 2010
Regressámos recentemente de uma curta viagem de quinze dias a Luanda, Angola, aonde não íamos há já 35 anos, e ficámos surpreendidos com várias coisas.
Designadamente, e em primeiro lugar, com a experiência de uma sociedade que, apesar dos seus visíveis e evidentes dificuldades e bloqueios, se afirma como uma sociedade jovem, dinâmica e de progresso imparável.
Depois — e é este o aspecto que queríamos aqui evidenciar —, com o facto de a sua Constituição, recentemente promulgada, na sua versão actual, aos 5 de Fevereiro de 2 010, ser muito mais liberal do que a portuguesa, na redacção que esta ainda mantém e apesar de todas as suas periódicas revisões.
Assim, em nenhum lugar, nem no seu Preâmbulo, nem ao longo de todo o texto constitucional, se fala, na Constituição angolana, em «socialismo», ou algo similar. Isto, surpreendentemente, num país onde ainda é dominante um partido de histórica filiação marxista-leninista-estalinista ortodoxa. E isto, apesar de se dar toda a ênfase, logo no seu artigo 1º., ao «objectivo fundamental» da «construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social». E de se afirmar, no artigo 2º., que: «1. A República de Angola é um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa. 2. A República de Angola promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduo quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas».
Depois, e ainda em sede do Título I, «Princípios Fundamentais», logo no artigo 14º. se antecipa que: «O Estado respeita e protege a propriedade privada das pessoas singulares ou colectivas e a livre iniciativa económica e empresarial exercida nos termos da Constituição e da lei» — o que não encontra paralelo, com estes alcance e importância, na Constituição portuguesa, mesmo antes do «direito ao trabalho».
Aliás, o «direito à propriedade privada e à sua transmissão, nos termos da Constituição e da lei» é garantido logo em sede de «Direitos e Deveres Fundamentais» (Título II) e de «Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais» (Capítulo II, do Título II, Secção I) — artigo 37º. De resto, no mesmo local, artigo 38º., é afirmado que: «1. A iniciativa económica privada é livre, sendo exercida com respeito pela Constituição e pela lei»; e que «2. A todos é reconhecido o direito à livre iniciativa empresarial e cooperativa, a exercer nos termos da lei».
Assim, é que é só no Capítulo III, do Título II, «Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais», que encontramos o artigo 76º. que diz: «1. O trabalho é um direito e um dever de todos» — e nas demais alíneas se regula o «direito ao trabalho».
Na «Organização Económica, Financeira e Fiscal», Título III, Capítulo I, artigo 89º., mais uma vez se reconhece, como «princípios fundamentais», além do «papel do Estado de regulador da economia e coordenador do desenvolvimento económico nacional harmonioso, nos termos da Constituição e da lei», ainda a «livre iniciativa económica e empresarial, a exercer nos termos da lei» e, expressa e formalmente, a «economia de mercado, na base dos princípios e valores da sã concorrência, da moralidade e da ética, previstos e assegurados por lei», bem como o «respeito e protecção à propriedade e iniciativa privadas» e a «função social da propriedade».
Outra questão, que a Constituição portuguesa não resolveu, é a do estatuto do «casamento», como instituição tradicional sui generis e no modelo monogâmico e heterosexual, distinguindo-o, quer das «uniões de facto», quer de outras formas de «parceria sexual».
Assim, na Constituição angolana, em sede de «Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais» (Capítulo II, do Título II) e de «Direitos e Liberdades Individuais e Colectivas» (Secção I), no artigo 35º., se diz que: «1. A família é o núcleo fundamental da organização da sociedade e é objectivo de especial protecção do Estado, quer se funde em casamento, quer em união de facto, entre homem e mulher». O resto do artigo regula ainda a filiação, proibindo a discriminação entre os filhos e a utilização de qualquer designação discriminatória relativa à mesma filiação e apontando para a igualdade dos filhos perante a lei.
O que quer dizer que ficam para um outro secundário plano, inequìvocamente de nível infra-constitucional, mesmo depois do das «uniões de facto», outras formas de «parceria sexual».
Quanto ao mais, designadamente na organização do poder político, o texto angolano é de um forte pendor presidencialista, atribuindo todo o Poder Executivo ao Presidente da República, como Chefe de Estado e órgão de soberania, além da Assembleia Nacional e dos Tribunais, que também são órgãos de soberania.
Enfim, um texto com apenas 244 artigos, mas de onde são depurados quaisquer elementos ideológicos, ultrapassados pela História e bloqueadores do «progresso» da sociedade, vocábulo este abundantemente usado em todo o texto constitucional e onde é expressa e formalmente reconhecido o, aí chamado, «sistema (económico-social) de mercado». O que quer dizer que, enquanto este é, na Constituição portuguesa, considerado a título residual e quase que só por omissão se admite, na Constituição angolana é, desde a Lei nº. 12/91 e da Lei de Revisão Constitucional nº. 23/92, conforme se relembra no Preâmbulo, convictamente assumido e formal e expressamente admitido.
Coimbra, 3 de Julho de 2 010.
Virgílio de Jesus Miranda Carvalho (Dr.).
5 Outubro 2007
1. Poderiam perguntar-nos – a partir de um dos falsos dilemas, estereótipos, etiquetas, rótulos e consequentes aporias criados por um certo sector de uma certa «ideologia moderna» (em lato sensu) – se as posições que defendemos em várias matérias (filosóficas, culturais, jurídicas, políticas, económicas, sociais, etc) são «conservadoras» ou «progressistas» ? Ou, num outro registo, respectivamente, de «Direita» ou de «Esquerda» ?
2. A nossa resposta seria a de que, «hoje», não é possível encaixar num tal «Espartilho», meramente ideológico e dogmático, ou esquema binário-digital, a complexidade de posições que se adoptam, nas mais variadas matérias e assuntos, em muito diversos e distintos. No âmago mesmo da insuprimível dialéctica civilizacional entre «Conservação» e «Mudança» – e, sobretudo, superlativamente nas modernas sociedades hipercomplexas, dinâmicas, de mutação acelerada a abertas de cooperação e de mercado dos nossos dias, em que a «mudança» constante e sistemática pôs decisivamente em causa e tornou obsoleta qualquer «ideologia» dita, ou auto-proclamada, «progressista» – só se pode assumir posições, com uma ou outra coloração, em função dos «problemas» e das «áreas temáticas» diversas e variadas, sem prejuízo, é certo, da unidade e identidade integradas de uma qualquer «concepção global» e de uma «atitude fundamental».
3.Assim, concedendo embora – e tendo presente a afirmação de RALF DAHRENDORF de que «(…)O Liberalismo (o «Clássico» – muito especialmente, o da velha e britânica «Tradição Whig» -, que é aquele que adoptamos, básica e globalmente falando) é acerca da “mudança”, mas não da “revolução”, porque os liberais acreditam mais nas “pessoas” do que nos “sistemas”» – definiríamos, com alguma cautela, a nossa posição, ou concepção global, do seguinte e multifacetado modo:
Somos:
a) – «Conservador»: desde logo e em 1º. lugar, nos «afectos» e nos «vínculos inter-pessoais»; depois e consequentemente, na «Filosofia da Vida» («Levar uma Humana “Vida Boa”, entre Humanos» – é uma máxima ética de, por exemplo, um FERNANDO SAVATER, em Ética para um Jovem); na «Cultura», nos «Valores», «Princípios» e «Dimensões Normativas Fundamentais» (conservação das «boas tradições» e dos «bons costumes», com méritos comprovadamente reconhecidos); nas «Instituições Determinantes» (o «Estado-de-Direito» = Rule of Law, por exemplo); e no «Ambiente»: não só natural, como também cultural e humano – a tal «Ecologia Humana e Cultural» de que falou JOÃO PAULO II;
b) – «Liberal Comunitário» (Clássico) e «Cosmopolita», em Política e no Plano Social-Geral e Cívico mais alargado: incontornáveis «liberdade» e «pluralismo» pessoais, éticos, axiológicos, religiosos, políticos, culturais, económicos e sociais e incomensurável «diversidade» de «formas-de-vida» humanas, culturais e sociais; mas, também, preocupação com a saúde, a vida e a unidade da «Comunidade», como «Comunidade Aberta» ou «Comunidade Liberal» (JOHN RAWLS; WILLIAM A. GALSTON);
c) – «Social-Liberal» ou «Reformista», em «Economia»: mínima Política Económica do Estado, reguladora e integradora, mas subsidiária, complementar e pontual ou parcelar; Gradualismo Reformista Popperiano e indispensável Grelha Jurídica da Economia (também aqui a «Rule of Law»); tudo isto no quadro de uma «Ordem Cataláctica» descentralizada, plural, aberta, concorrencial e social de «Mercado» (Soziale Marktwirtshaft), fundada nas Categorias Económicas da «Propriedade», do «Mercado» e do «Dinheiro», mas orientada para a satisfação dos interesses sociais supremos, não só dos Trabalhadores e/ou dos Empresários, como sobretudo, dos «Consumidores» que somos, universalmente, todos nós;
d) – E, isso sim, «Progressista», em Ciência e em Tecnologia, sem iludir contudo os graves e melindrosos problemas éticos e deontológicos que também aqui se levantam.
4. Por isso – e quanto ao mais -, confiamos, sobretudo, na livre espontaneidade, na originalidade, na criatividade e na dinâmica da própria «Vida» (ou seja, afinal, justamente no heideggeriano «deixar ser…»), bem como na enorme e imprevisível capacidade de «mudança», de «inovação», de «transformação» e de «risco» das «Pessoas» mesmas e das sociedades, quando verdadeiramente «espontâneas» e «livres» e só enquadradas por uma autêntica «Ordem de Liberdade» (Kosmos). Coimbra, Setembro de 2 007.
Virgílio de Jesus Miranda Carvalho.
De entre a multiplicidade das dimensões da «Pessoa Humana Real» – que a definem como uma «complexidade integrada», pois que a pessoa não é uma mera simplicidade, mas uma «unitas multiplex», uma «unidade ou ordem plural» – é possível identificar, pelo menos e de um modo fundamental, as seguintes linhas de força:
1. Uma dimensão estrutural «a priori» ou constitutivo-formal que é uma sua «Natureza Humana Comum e Universal» – ou melhor: uma mesma «constituição ontológico-fundamental», na terminologia de MARTIN HEIDEGGER, que interpreta o «ser» do homem, na verdade, menos como «quididade» ou «substância», e mais como jogo, ordem relacional interna, abertura, plasticidade, mobilidade interna, mutabilidade, temporalidade e historicidade, projectividade, possibilidade «transcendens», etc. , ou um «fundamento humano comum», expressão de «uma mesma e universal realidade humana», aberta, dinâmica e plástica, móvel e mutável, dotada de historicidade, comum a todos os outros seres humanos, como quadro-geral de determinações e de possibilidades que a «constituem» na sua «universalidade humana» e que é a chamada «identidade do diferente»: enfim, todos os «existenciais» e «modos-de-ser» analisados pelo mesmo HEIDEGGER em «Ser e Tempo», 1927.É esta dimensão que funda o valor da «Igualdade» (ontologicamente configurada) entre todas as pessoas e, entre outras coisas, enfim, a «Democracia», como universalidade.
2. Uma horizontal dimensão material (afectiva) «relacional externa», ou «social» (possibilitada pela sua vocação de «sociabilidade», que, embora não exclusiva, FREUD disse ser a sua «aspiração à comunidade»): na verdade, boa parte da sua «identidade» é de origem e constituição «social», desde a formação precoce da «personalidade» no triângulo edipiano da interactiva «situação parental» (parenthood) da família; até, depois, na relação e interacção com a escola, o grupo juvenil, os vários contextos sociais, a civilização e a cultura envolventes, etc. Por outro lado, a pessoa não deixa de formar, em alguma medida, «uma sociedade consigo própria», uma «ordem relacional interna», devido à pluralidade de subjectividades e de fidelidades que, socialmente, os vários contextos sociais externos nela vão constituindo.Só que, esta dimensão – que não tem nada de um exclusivo e total necessitarismo substancialista e essencialista «a priori», como o defende o personalismo substantivista-social dogmático e toda a espécie de «socialismos», que só falam da «pessoa social» e de uma dogmática e exclusivamente única essência ou natureza «social» da pessoa… – não define à pessoa toda a sua «essência» ou «natureza» (que é, não se esqueça, antes do mais, «Ek-sis-tência»), não esgota toda a sua interioridade, subjectividade e espiritualidade, pelo que, existindo também na pessoa uma indesmentível e parcial dimensão de «insociabilidade» (a «sociabilidade insociável» de que falava KANT), pode hoje, tranquilamente, dizer-se que «nem todo o humano é social». Há uma dimensão da pessoa e da liberdade que será sempre pré-, extra-, ou méta-social. E daqui a conclusão moderna de que o homem não é só «um animal gregário»: «zoon politikon», lhe chamou ARISTÓTELES.
3. E tem ainda a pessoa uma sua vertical «individualidade própria real» (individualidade natural), possibilitada pelo princípio ôntico-ontológico forte da «individuação», e que se dá e se exprime imediatamente (primeiro, na comum experiência humana da Existência consciente) na unidade ôntico-ontológica do «Eu» (verdadeiro ponto de sutura entre o ontológico e o psicológico), como diferença, como mónada solitária, como substância individual e individuada e como «Existente»: LÉVINAS. Ou seja, a sua estrema e absoluta «singularidade ética individual» e «idiossincrática própria», particular, concreta, diferenciada, única e irrepetível, que a distingue individuadamente de todos os outros seres humanos, através da «Ipseidade»: da «Selbstheit», do «Selbstsein», ou «ser-si-próprio» da filosofia existencial alemã.
E, para uma concepção individualista, realista e crítica da pessoa humana, como a nossa, mesmo que tenhamos que reconhecer que «…o homem real é a unidade dialéctica de duas relativas autonomias, a autonomia do seu “eu social” (…) e de um “eu pessoal” – a unidade dialéctica, se quisermos, da objectividade e da subjectividade humanas» (A. CASTANHEIRA NEVES) – todavia nós afirmamos o «relativo primado do eu pessoal sobre o eu social». Não uma simetria ou perfeita reciprocidade entre aqueles referidos dois eus (ou as duas dimensões do «Self»), mas o «relativo primado ou a preeminência última do eu pessoal sobre o eu social», a preeminência da «Selbstheit», do «Selbstsein», ou do «ser-si–próprio».
Na aceitação da parcial dimensão «social» do «Self» divergimos decisivamente do individualismo estrito e absoluto, do «falso individualismo» solipsista, radicalmente atomista, fragmentarizante e moderno-cartesiano de que falava HAYEK, o qual desemboca, paradoxalmente, tanto no libertarismo ou anarquismo radicais, como no socialismo e colectivismo totalitários. Na afirmação da relativa prioridade ôntico-ontológica ou preeminência última do «eu pessoal», convergimos com o «verdadeiro individualismo» deste último autor referido e de POPPER e com o relativo «privilégio ontológico» que também HEIDEGGER disse ter sempre o ser humano (o «ser-aí», o «Da-sein») sobre o «mundo», sem contudo negarmos este e a sua específica realidade aberta, nem as decisivas autonomia e objectividade sistémicas relativas da sociedade e da civilização.
Coimbra, Setembro de 2 007.
Virgílio de Jesus Miranda Carvalho.
16 Setembro 2007
Já vimos, em texto anterior publicado neste local, que a «Racionalidade» não é a dimensão suprema da «Existência humana», mas sim o «Espírito». Também não é a única dimensão e nem sequer sempre a decisiva.
O «intelectualismo» e o «racionalismo» são, justamente, aquela atitude fundamental que dá prioridade e primazia absolutas ao «logos» sobre o «Espírito» e a «Vida», que faz de apenas uma (e, porventura, nem sempre a mais nobre) das dimensões da Existência humana, o «intelecto», a dimensão suprema e única a que todas as outras se deveriam subordinar. É a atitude que precisa se recorrer à «mediação do intelecto» para provar a sua Existência própria («cogito, ergo sum», de DESCARTES), que separa radicalmente (como se tal fosse honestamente possível!…) o «pensamento» do «sentimento», do «vivido», da «vivência» e da «emoção», que não aceita, arrogantemente (como SARTRE), todo o campo do «inconsciente freudiano» e é cega para o lugar e o papel do «Métaconsciente hayekiano», que postula, em suma, uma narcisicamente arrogante, exclusiva, desvinculada, absoluta e totalmente transparente «soberania da consciência, do eu, da vontade e da razão intelectual», sem se questionar, humildemente, quanto ao exacto alcance e limites destes e quanto ao papel de outros factores (transracionais ou não estritamente racionais) na constituição de um conhecimento, de um saber e de uma vivência com um rosto «pessoal». É esta a matriz do «racionalismo construtivista cartesiano», denunciado por FRIEDRICH HAYEK, de feição puramente mentalista e subjectivista, que marca tão caracteristicamente, não só grande parte da Modernidade (como o mostrou MAX WEBER), como, sobretudo, grande parte da cultura francesa ou afrancesada. Dele disse MIGUEL DE UNAMUNO (1864-1936), em «Do sentimento trágico da vida», relativamente à radical incapacidade da «razão formal» e intelectualista cartesiana para exprimir ou respeitar a essência do homem (e o sentimento, a emoção, o vivido e a vivência, a vida e o trágico), que LÙCIFER (i. é, o Mal Absoluto) é o Príncipe dos intelectuais e, por isso, o «Grande Intelectual».
Confortando esta nossa crítica ao «racionalismo moderno», ao «cartesianismo» e ao «intelectualismo», que faz depender o «ser da Existência» do pensamento e do intelecto, veja-se o livro, com autoridade científica, do neurobiólogo português, radicado nos E.U.A., ANTÓNIO R. DAMÁSIO, intitulado justamente: «O Erro de Descartes – Emoção, Razão e Cérebro Humano», Publicações Europa-América, 1 995.
Com efeito, o que este autor e cientista nos veio demonstrar, na sua estrita pers-pectiva da neurociência, é o que já sabíamos de há muito: que a verdade originária de que há-de partir-se não é «Cogito, ergo sum», mas sim, justamente ao contrário, que «Sum, ergo cogito», ou ainda, mais rigorosamente, que «Existo (sou) e “posso” pensar». O pensamento, a razão, o intelecto, é assim apenas «uma» de entre as múltiplas dimensões do «ser da Existência», e nem sempre a decisiva.
E como o século XX foi o século do «intelectualismo» e do «racionalismo», sobretudo o de matriz francesa e cartesiana, ou continental, para ele parece também apropriada a seguinte frase de Lord ACTON: «The age preferred the reign of intellect to the reign of liberty».
E F.A. HAYEK pôde escrever: «(…) Nestas matérias (ciências sociais) nós ainda somos em grande parte guiados por ideias que são pelo menos velhas de um século, tal como o século dezanove foi principalmente guiado por ideias do século dezoito. Mas enquanto que as ideias de HUME e de VOLTAIRE, de ADAM SMTH e KANT, produziram o liberalismo do século dezanove, as de HEGEL e COMTE, de FEUERBACH e MARX, produziram o totalitarismo do século vinte. (…)» – The Counter-Revolution of Science: Studies on the Abuse of Reason, 1 952, 1 979, pág. 399. Este livro demonstra também as origens reaccionárias e autoritárias dos modernos «positivismo» (como «cientismo») e «socialismo», a propósito da obra de SAINT-SIMON e, depois, de COMTE: pág. 226 e passim.
Coimbra, Setembro de 2 007.
Virgílio de Jesus Miranda Carvalho.
26 Agosto 2007
As formas «verticais» da Liberdade (Liberdade teológica, religiosa ou «para Deus»; e Liberdade Espiritual ou «para o Absoluto», para a «validade categórica» e o «incondicionado de sentido»), que são sempre formas de uma «liberdade para…» e que implicam também sempre os valores de «Responsabilidade» e da «Vinculação», implicam ainda as inelimináveis dimensões de hierarquia, de prioridade ou escalonamento, de qualificação e de mérito, de verticalidade, etc., bem como, obviamente a indenegabilidade do «Espírito», para além e enquanto distinto da mera «racionalidade» ou «intelectividade» (o «noús» aristotélico), ou da mera «razão lógico-dissociativa» ou «crítico-analítica», própria da «ciência moderna» e como dimensão «transcendens» e suprema da Existência.
Na «unitas multiplex», que é a pessoa humana individual, a «Racionalidade» pertence mais ao estrato intermédio da personalidade de dimensão vivencial, crítico-racional e de ego da realidade, enquanto que a «Espiritualidade» se encontra mais na terceira dimensão da relação introceptiva e puramente humana da pessoa com os «valores» e o «mundo dos «valores».
À «Racionalidade», concebemo-la tanto «crítica» como «prática». Mas, na verdade, o «Espírito» é mais criativo, simbolizador, interrogante, dialéctico, integrador ou totalizador e sintetizante (melhor: religante). Possui, sobretudo, uma dimensão «vertical» e «fundadora» (ou fundacional) de que carece a estrita «razão» só «teórica», ou «técnica», do racionalismo e intelectualismo modernos: estes últimos têm a ver mais com os «conceitos», os «procedimentos», os «processos», a «lógica» e o estrito princípio da «não-contradição», a «explicação», a «instrumentalidade», a «operacionalidade», a «experimentalidade» e os «meios»; aquele primeiro tem a ver mais com as «ideias», os «ideais», os «valores», os «princípios», os «fundamentos», os «sentidos», a «compreensão», a «experiencialidade» e os «fins». Este último é também o terreno privilegiado, não tanto da «ciência» em sentido estrito e moderno, mas da «sapiência», da «filosofia», das «ciências da cultura e do espírito», da «hermenêutica», da «arte», das «humanidades» e do «humanismo». É por isto mesmo que nós rejeitamos decididamente o «racionalismo» e o «intelectualismo» modernos e cartesianos e nunca nos definiríamos como «um intelectual», ou jamais assumiríamos a «pose do intelectual» (a qual, de resto, abominamos), já que nem todos os seres inteligentes são «intelectuais» !
O «Espírito», que é sinónimo de «Liberdade», implica também a capacidade de reflexão total sobre si mesmo, ou seja uma «consciência reflexa»; revela-se, mais do que no insondável interior da consciência, nas «obras culturais» do homem, na criatividade, nos valores, no acto estético e ético e no amor. Mas hoje já não se entende, como o entendeu o «idealismo absoluto e objectivo» de um HEGEL, em termos meramente objectivos e desligado de referência à subjectividade criadora, da referência ao carácter «pessoal» da sua actividade.
Ao «Espírito» se deve, designadamente, a possibilidade de uma auto-compreensão globalizadora de todos os sentidos possíveis da Liberdade humana, na visão, na exigência e na experiência integradas e possíveis de uma «Existência humana livre, digna e responsável».
E porque, sendo porventura todo o social humano, todavia, «nem todo o humano é social», o homem, como «pessoa moral e espiritual», transcende sempre, em Liberdade e em Espiritualidade, a própria «sociedade política» e está acima e para além dela, seja no espaço privado de uma dimensão de «liberdade negativa» ou «liberal», seja «eticamente» e como «valor absoluto» superior à sociedade e ao Estado, seja nos seus fins últimos da «contemplação» da Verdade, pelo conhecimento, da Beleza, pela estética, do bem e do Amor, pelo acto ético e pelo acto relacional, ou mesmo na tensão ek-stática, supra-temporal e de transfinitude para o «Transcendente»: o «Englobante» o «Ser», «Deus».
Coimbra, Agosto de 2 007.
Virgìlio de Jesus Miranda Carvalho.
Em relação à «natureza humana comum e universal», entendida como uma «constituição ontológico-fundamental» do ser humano (MARTIN HEIDEGGER) – e bem assim, em relação também ao «mundo» em que o homem existe e vive, pois que uma certa «auto-compreensão» não está em absoluto desligada de uma certa «pré-compreensão» do próprio «mundo», como o seu «horizonte», sendo este predominantemente um «mundo social ou civilizacional» -, pode ter-se uma «atitude fundamental», que poderá oscilar entre os extremos de um optimismo ou de um pessimismo «absolutos», com as suas gradações intermédias de um optimismo ou de um pessimismo «relativos».
Contra o «pessimismo desiludido» de certa Direita (para a qual o homem seria «naturalmente mau» e incorrigivelmente «imperfectível»); e contra também o «optimismo ingénuo, inflaccionado e grandioso» (e fortemente dogmático) de certa Esquerda e da «intelligentzia» dita «progressista» – para quem o homem seria «originaria e naturalmente bom», puro, sociável (e só sociável…), fraterno, ilimitadamente perfectível, bem como também a sociedade, que se poderia manipular livremente no sentido de também uma ilimitada perfectibilidade ideal (ROUSSEAU e seus seguidores) – nós temos defendido um fundado «optimismo crítico, realista e moderado», no sentido do «realismo crítico» popperiano, mas de algum modo também correspondente ao «optimismo relativo» do realismo cristão, em relação ao ser humano e à sociedade.
Por seu lado, com alguma coincidência com esta nossa última «atitude fundamental», EMMANUEL MOUNIER terá defendido, no seu tempo e circunstância, um «optimismo trágico».
Quanto a nós, do lado «realista e crítico» do nosso «optimismo relativo», retiramos o que o político do P.S.D., Dr. PACHECO PEREIRA, há algum tempo, num programa radiofónico semanal da T.S.F., dizia ser o seu «pessimismo da inteligência». Com efeito, ao optimismo eufórico e inflacionado da Esquerda política, ele contrapunha um «pessimismo da inteligência» e um «optimismo da vontade». Nós preferiríamos dizer, talvez, um «realismo da inteligência». Por um lado, não podemos desconhecer a «realidade» (pela inteligência); mas por outro lado, não podemos deixar de tentar realizar (pela vontade) os «valores ideais» e os «imperativos éticos» que se apresentam à nossa consciência moral.
Na verdade, contra o optimismo filosófico absoluto de um LEIBNIZ, de um ESPINOZA, de um MALEBRANCHE e sobretudo do positivismo de um HEGEL, nós não iludimos a realidade existente do «mal» no mundo e no homem e as suas limitações e imperfeições, embora susceptíveis de contínuo aperfeiçoamento pelo esforço humano.
Podemos, decerto, ter uma «presunção» apenas «relativa» da «bondade natural» do ser humano e até da sua Liberdade; mas são tais e tão abundantes as evidências do «Mal» de que ele também é capaz, da maldade, da perversidade, do egoísmo e do egocentrismo, da inveja e da cobiça, do ódio, da corrupção e das velhacarias a que se entrega tão facilmente, que não podemos subscrever, tranquilamente, uma qualquer «teoria da pessoa humana» (e, em decorrência disso, uma qualquer «teoria da sociedade») intrinsecamente, ou exclusivamente, «optimistas».
Todavia, este nosso «relativo pessimismo» é (ou pretende ser) apenas, como dissemos, um «realismo da inteligência»: apesar daquela referida maldade e perversidade intrínsecas do ser humano, nós acreditamos, com excepção dos casos definitivamente patológicos e comprovadamente irreversíveis, na «relativa perfectibilidade humana».
Por outro lado, porque também, no mundo, nem tudo é mau; porque afinal «este» mundo em que vivemos (e não conhecemos ainda outro…) também tem coisas boas; porque, afinal, como o diz o dito popular, «a esperança é a última a morrer»; porque há também ainda tantos exemplos e evidências da «pureza» e da «excelência» humanas – permanece vivo e actuante o que PACHECO PEREIRA queria dizer com um «optimismo da vontade»: um optimismo que se quer «crítico» e «realista» (relativo e moderado); mas um optimismo que não quer transigir com a passividade abdicante, mas se quer «activo» e «crente» na possibilidade, apesar de tudo ainda aberta, de combater, pelo «Eros», o «Mal». Por exemplo, através de reformas sociais («reformismo crítico»), de reformas de paradigmas civilizacionais e culturais e de sistemas normativos e políticos: a «luta pelo Direito» (IHERING), por exemplo, e a «Métapolítica» (HAYEK) como «conversação com a humanidade» (RICHARD RORTY).
Ponto é que, em nós próprios, aquele «pessimismo (ou realismo) da inteligência» não contamine irreversivelmente o referido «optimismo da vontade» e que este possa permanecer regenerado e íntegro.
Coimbra, Agosto de 2007.
Virgílio de Jesus Miranda Carvalho.
18 Agosto 2007
A «juventude», especialmente na «adolescência», já é, de sua natureza, tanto de um ponto de vista psicológico, como de um ponto de vista sociológico, uma faixa etária «para-marginal». Não tanto por ser eventualmente um grupo social minoritário, quantitativamente, em relação à generalidade da população – pode até nem o ser -, mas mais por ser, qualitativamente, uma fracção da população «ainda não inserida socialmente», por via de regra, nos núcleos mais integrados e integradores da sociedade e, também, fortemente dependente, psicológica (afectiva) e economicamente. A sua «ainda não inserção» em contextos sociais de forte «integração», ou que mais fortemente potenciam a «integração social» – o mundo do trabalho, por exemplo -, e a ausência de vínculos sociais suficientemente «corresponsabilizantes», para além da família, tornam essa faixa etária um grupo (ou série diversificada de grupos) potencialmente «marginais» em relação à sociedade em geral e, por isso, altamente vulneráveis.
Mas essa potencial «marginalidade social juvenil» é, nos nossos dias, potenciada e ampliada pelos sistemas educativos quase exclusivamente «estatizados» e «massificantes» que temos. Enquanto não forem superados, tanto o mito jacobino e revolucionário da monista e exclusivista «Escola Pública», como a mania socialista de tudo uniformizar e reduzir ao mesmo padrão, i. é, de uma «Escola» sobredimensionada e sobrepovoada, mas unificada, padronizada, fortemente hierarquizada e centralizada, inserida num modelo vertical, napoleónico e monista de escala ainda moderno-industrial e de massas, dirigido a partir de um único centro estatal – o que teremos será a «massificação» e a «desumanização» da juventude e a potenciação da sua própria «marginalidade social», pela ausência de concretos «contextos» e «vínculos» de responsabilidade/responsabiliza- ção, com tudo o que acompanha essa marginalidade.
Quanto à «Escola» propriamente dita, enquanto «cada escola» (com minúsculas) não for concebida e vivida como uma autêntica «pequena comunidade educativa local», descentralizada, de dimensão mínima e à escala humana, integrada em contextos sociais «locais», como uma das «pequenas comunidades de vida e de saber», ou «mundos-da-vida», de que fala BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, pensada e vivida como um verdadeiro prolongamento e suporte externo da «família» e também, como esta, como uma «comunidade de afectos, de educação e de cultura» (VITTORIO POSSENTI), com completa «autonomia» (cultural, pedagógica, programática, administrativa e financeira), privatizada, ou não, mas apenas vinculada normativamente a um quadro geral mínimo de matérias essenciais e de linhas programáticas gerais, em que sejam veiculados e partilhados, participativa e afectivamente, mais do que uma infindável lista de matérias, de saberes, de competências, de perícias e de mestrias (como sucede actualmente), antes os valores de respeito pelo «próximo» percebido como «ser humano» e como «pessoa», da tolerância, da autonomia, da vinculação responsável, da participação e da corresponsabilidade, pródromo para uma elevada educação para uma «Cidadania Global» e de civismo, bem como de respeito pelos superiores valores públicos e pela Ética – não teremos uma juventude que se prepara para uma ulterior integração social tranquila e para um futuro de responsabilidade.
A situação que temos não será superada enquanto não for substituído o modelo monista, centralista, administrativista e maioritariamente estatizado, que é o que temos, por um modelo «concorrencial» verdadeiramente «pluralista» e «descentralizado», i. é, por uma pluralidade horizontal e diversificada de muitas e diferentes «escolas», como «instituições» e «pequenas comunidades educativas locais», verdadeiramente autónomas e descentralizadas, mas socialmente contextualizadas (a que os jovens se sintam ligados por uma relação de «pertença») e apenas vinculadas a um quadro normativo geral e abstracto, mínimo, e igual para todas.
Por outro lado, um «modelo concorrencial», com liberdade programática e pedagógica para as escolas, bem como auto-responsabilidade pelo financiamento, seria, não só factor de busca de «excelência» por parte de cada escola, como de potenciação da «liberdade para escolher», por parte dos pais e/ou dos alunos, pelo fomento da visibilidade e da transparência quanto à «qualidade do ensino» ministrado por cada «escola», comparativamente com as outras.