As formas «verticais» da Liberdade (Liberdade teológica, religiosa ou «para Deus»; e Liberdade Espiritual ou «para o Absoluto», para a «validade categórica» e o «incondicionado de sentido»), que são sempre formas de uma «liberdade para…» e que implicam também sempre os valores de «Responsabilidade» e da «Vinculação», implicam ainda as inelimináveis dimensões de hierarquia, de prioridade ou escalonamento, de qualificação e de mérito, de verticalidade, etc., bem como, obviamente a indenegabilidade do «Espírito», para além e enquanto distinto da mera «racionalidade» ou «intelectividade» (o «noús» aristotélico), ou da mera «razão lógico-dissociativa» ou «crítico-analítica», própria da «ciência moderna» e como dimensão «transcendens» e suprema da Existência.
Na «unitas multiplex», que é a pessoa humana individual, a «Racionalidade» pertence mais ao estrato intermédio da personalidade de dimensão vivencial, crítico-racional e de ego da realidade, enquanto que a «Espiritualidade» se encontra mais na terceira dimensão da relação introceptiva e puramente humana da pessoa com os «valores» e o «mundo dos «valores».
À «Racionalidade», concebemo-la tanto «crítica» como «prática». Mas, na verdade, o «Espírito» é mais criativo, simbolizador, interrogante, dialéctico, integrador ou totalizador e sintetizante (melhor: religante). Possui, sobretudo, uma dimensão «vertical» e «fundadora» (ou fundacional) de que carece a estrita «razão» só «teórica», ou «técnica», do racionalismo e intelectualismo modernos: estes últimos têm a ver mais com os «conceitos», os «procedimentos», os «processos», a «lógica» e o estrito princípio da «não-contradição», a «explicação», a «instrumentalidade», a «operacionalidade», a «experimentalidade» e os «meios»; aquele primeiro tem a ver mais com as «ideias», os «ideais», os «valores», os «princípios», os «fundamentos», os «sentidos», a «compreensão», a «experiencialidade» e os «fins». Este último é também o terreno privilegiado, não tanto da «ciência» em sentido estrito e moderno, mas da «sapiência», da «filosofia», das «ciências da cultura e do espírito», da «hermenêutica», da «arte», das «humanidades» e do «humanismo». É por isto mesmo que nós rejeitamos decididamente o «racionalismo» e o «intelectualismo» modernos e cartesianos e nunca nos definiríamos como «um intelectual», ou jamais assumiríamos a «pose do intelectual» (a qual, de resto, abominamos), já que nem todos os seres inteligentes são «intelectuais» !
O «Espírito», que é sinónimo de «Liberdade», implica também a capacidade de reflexão total sobre si mesmo, ou seja uma «consciência reflexa»; revela-se, mais do que no insondável interior da consciência, nas «obras culturais» do homem, na criatividade, nos valores, no acto estético e ético e no amor. Mas hoje já não se entende, como o entendeu o «idealismo absoluto e objectivo» de um HEGEL, em termos meramente objectivos e desligado de referência à subjectividade criadora, da referência ao carácter «pessoal» da sua actividade.
Ao «Espírito» se deve, designadamente, a possibilidade de uma auto-compreensão globalizadora de todos os sentidos possíveis da Liberdade humana, na visão, na exigência e na experiência integradas e possíveis de uma «Existência humana livre, digna e responsável».
E porque, sendo porventura todo o social humano, todavia, «nem todo o humano é social», o homem, como «pessoa moral e espiritual», transcende sempre, em Liberdade e em Espiritualidade, a própria «sociedade política» e está acima e para além dela, seja no espaço privado de uma dimensão de «liberdade negativa» ou «liberal», seja «eticamente» e como «valor absoluto» superior à sociedade e ao Estado, seja nos seus fins últimos da «contemplação» da Verdade, pelo conhecimento, da Beleza, pela estética, do bem e do Amor, pelo acto ético e pelo acto relacional, ou mesmo na tensão ek-stática, supra-temporal e de transfinitude para o «Transcendente»: o «Englobante» o «Ser», «Deus».
Coimbra, Agosto de 2 007.
Virgìlio de Jesus Miranda Carvalho.
Em relação à «natureza humana comum e universal», entendida como uma «constituição ontológico-fundamental» do ser humano (MARTIN HEIDEGGER) – e bem assim, em relação também ao «mundo» em que o homem existe e vive, pois que uma certa «auto-compreensão» não está em absoluto desligada de uma certa «pré-compreensão» do próprio «mundo», como o seu «horizonte», sendo este predominantemente um «mundo social ou civilizacional» -, pode ter-se uma «atitude fundamental», que poderá oscilar entre os extremos de um optimismo ou de um pessimismo «absolutos», com as suas gradações intermédias de um optimismo ou de um pessimismo «relativos».
Contra o «pessimismo desiludido» de certa Direita (para a qual o homem seria «naturalmente mau» e incorrigivelmente «imperfectível»); e contra também o «optimismo ingénuo, inflaccionado e grandioso» (e fortemente dogmático) de certa Esquerda e da «intelligentzia» dita «progressista» – para quem o homem seria «originaria e naturalmente bom», puro, sociável (e só sociável…), fraterno, ilimitadamente perfectível, bem como também a sociedade, que se poderia manipular livremente no sentido de também uma ilimitada perfectibilidade ideal (ROUSSEAU e seus seguidores) – nós temos defendido um fundado «optimismo crítico, realista e moderado», no sentido do «realismo crítico» popperiano, mas de algum modo também correspondente ao «optimismo relativo» do realismo cristão, em relação ao ser humano e à sociedade.
Por seu lado, com alguma coincidência com esta nossa última «atitude fundamental», EMMANUEL MOUNIER terá defendido, no seu tempo e circunstância, um «optimismo trágico».
Quanto a nós, do lado «realista e crítico» do nosso «optimismo relativo», retiramos o que o político do P.S.D., Dr. PACHECO PEREIRA, há algum tempo, num programa radiofónico semanal da T.S.F., dizia ser o seu «pessimismo da inteligência». Com efeito, ao optimismo eufórico e inflacionado da Esquerda política, ele contrapunha um «pessimismo da inteligência» e um «optimismo da vontade». Nós preferiríamos dizer, talvez, um «realismo da inteligência». Por um lado, não podemos desconhecer a «realidade» (pela inteligência); mas por outro lado, não podemos deixar de tentar realizar (pela vontade) os «valores ideais» e os «imperativos éticos» que se apresentam à nossa consciência moral.
Na verdade, contra o optimismo filosófico absoluto de um LEIBNIZ, de um ESPINOZA, de um MALEBRANCHE e sobretudo do positivismo de um HEGEL, nós não iludimos a realidade existente do «mal» no mundo e no homem e as suas limitações e imperfeições, embora susceptíveis de contínuo aperfeiçoamento pelo esforço humano.
Podemos, decerto, ter uma «presunção» apenas «relativa» da «bondade natural» do ser humano e até da sua Liberdade; mas são tais e tão abundantes as evidências do «Mal» de que ele também é capaz, da maldade, da perversidade, do egoísmo e do egocentrismo, da inveja e da cobiça, do ódio, da corrupção e das velhacarias a que se entrega tão facilmente, que não podemos subscrever, tranquilamente, uma qualquer «teoria da pessoa humana» (e, em decorrência disso, uma qualquer «teoria da sociedade») intrinsecamente, ou exclusivamente, «optimistas».
Todavia, este nosso «relativo pessimismo» é (ou pretende ser) apenas, como dissemos, um «realismo da inteligência»: apesar daquela referida maldade e perversidade intrínsecas do ser humano, nós acreditamos, com excepção dos casos definitivamente patológicos e comprovadamente irreversíveis, na «relativa perfectibilidade humana».
Por outro lado, porque também, no mundo, nem tudo é mau; porque afinal «este» mundo em que vivemos (e não conhecemos ainda outro…) também tem coisas boas; porque, afinal, como o diz o dito popular, «a esperança é a última a morrer»; porque há também ainda tantos exemplos e evidências da «pureza» e da «excelência» humanas – permanece vivo e actuante o que PACHECO PEREIRA queria dizer com um «optimismo da vontade»: um optimismo que se quer «crítico» e «realista» (relativo e moderado); mas um optimismo que não quer transigir com a passividade abdicante, mas se quer «activo» e «crente» na possibilidade, apesar de tudo ainda aberta, de combater, pelo «Eros», o «Mal». Por exemplo, através de reformas sociais («reformismo crítico»), de reformas de paradigmas civilizacionais e culturais e de sistemas normativos e políticos: a «luta pelo Direito» (IHERING), por exemplo, e a «Métapolítica» (HAYEK) como «conversação com a humanidade» (RICHARD RORTY).
Ponto é que, em nós próprios, aquele «pessimismo (ou realismo) da inteligência» não contamine irreversivelmente o referido «optimismo da vontade» e que este possa permanecer regenerado e íntegro.
Coimbra, Agosto de 2007.
Virgílio de Jesus Miranda Carvalho.