12 Março 2014

A referência última

Temos que reconhecer que é uma exigência intrínseca do «Espírito Humano» o pensamento de um irrepresentável «Princípio Absoluto de todas as coisas», ou a tendência para reduzir (melhor: re-ligar) tudo a um «único princípio»: é uma sua exigência intrínseca de «unidade», na incomensurável multiplicidade das dimensões que se deparam ao seu conhecimento e experiência.

Neste contexto, «Deus», como referência última, que apenas se pode enunciar, pensado como «Alteridade Absoluta» e fugazmente pressentido como «Infinitos Bondade e Amor», bem poderá ser talvez a «Resposta» que damos à «Grande Incógnita» que permanece e resiste lá no fundo de nós e para além de tudo o pouco que sabemos, experienciamos e explicamos provisoriamente sobre nós próprios, a nossa Existência e o Universo Englobante … Mesmo porque nos é tão insuportável e difícil permanecermos expectantes e indecisos face a um tão grande «Ponto de Interrogação»: a iniludível, incontornável, mas persistente e nunca respondida, pergunta última sobre a «origem», a «causa primeira» ou a «razão de ser», o «sentido último» e o «fim» (o além…) de «tudo» o que existe (de todo o Universo, de toda a Vida e de todo o Ser) e que conhecemos, explicamos e compreendemos provisoriamente e mais ou menos imperfeitamente, dentro das nossas limitadas possibilidades de compreensão e de intelecção… Ou a resposta possível para a interrogação metafísica de que: «Porque há “Ser” em vez de “Nada” ?». Uma pergunta a que, nem a razão só intelectual, nem a ciência, respondem em definitivo.

Mas, para nós, a Sua plena inteligibilidade e compreensão não está, em definitivo, ao alcance das nossas limitadas possibilidades humanas e do equipamento mental com que fomos dotados. Pois, como o tinha dito já IMMANUEL KANT (Cfr. Crítica da Razão Pura, 1781–87, 3ª. edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1994, pág. 531): «O Ser supremo mantém-se, pois, para o uso meramente especulativo da razão, como um simples “ideal”, embora “sem defeitos”, um conceito que remata e coroa todo o conhecimento humano; a realidade objectiva desse conceito não pode, contudo, ser provada por esse meio, embora também não possa ser refutada».

Ou seja: a nossa pobre, precária e indigente condição humana, de «radical desamparo» e de estrutural e finita imperfeição e «carência ontológica», impele-nos necessariamente para a busca incessante e constante desse «Absoluto Moral», que, assente nos nossos dois maiores bens, que são, conjuntamente, a «Paz» e a «Liberdade», só poderá dar-se pelo nome de «Deus». E isto não pode ser provado, nem refutado, só «racionalmente». É obra do «Espírito» mais do que da estrita «Razão Pura».

Nem, todavia e por outro lado, alguma vez pudemos apercebermo-nos de alguma clara e inequívoca «Revelação», ou sequer supormo-nos dignos de alguma «Graça», especial e pessoalmente endereçada.

Por isso, Ele permanece, rigorosamente, um «Mistério», acerca Do Qual nada se pode predicar. Só pode, portanto, ser assunto de «Fé» (ou de «Esperança»), acerca das quais se deve antes guardar prudente silêncio.

Também aqui deve imperar sempre o pensamento da «possibilidade transcendental», i. é, a «possibilidade de possibilidade», que mantém sempre em aberto a «possibilidade última» (Cfr. NICOLA ABBAGNANO).

Por outro lado, trata-se, portanto, aqui, mais de uma «Fé Filosófica», ou «Metafísica», do que pròpriamente de uma «Fé Teológica» ou «Litúrgica» (Cfr. KARL JASPERS) que, sem obliterar tudo quanto deve ao Cristianismo, nem pretender contornar («racionalmente»?) o problema da «Transcendência», mas antes abrir-se a ele, contudo se mantém equidistante e para além de todas as Religiões e Igrejas estabelecidas.

VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.)

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