A ideia de «Constituição Mista»
1. A ideia de «Constituição Mista» radica no pensamento de ARISTÓTELES de que o Estado ideal é aquele em que os governantes são sábios, prudentes e justos ─ e estas características só se encontram quando se reúnem a aristocracia e a democracia. Sendo a aristocracia (aristói = os melhores, os mais virtuosos, os mais excelentes, os mais sábios, os mais justos) a forma e a democracia a matéria, a unidade substancial da Res-publica (=comunidade público-política) seria a unidade desta forma com esta matéria, sem que uma possa separar-se da outra: «O carácter de perfeita mistura está em poder dizer-se do mesmo governo que ele é uma aristocracia e uma democracia, porque é evidente que aqueles que assim se exprimem se limitam a enunciar a impressão neles produzida pela perfeita mistura das duas» ─ ARISTÓTELES, Política.
A ideia de «Constituição Mista» já tinha sido lançada pelo antigo Estoicismo, encontra-se mais tarde em POLÌBIO e foi depois defendida por CÌCERO, SÃO TOMÀS DE AQUINO, MAQUIAVEL e mesmo MONTESQIEU, entre outros.
2. A aristocracia, como aristocracia moral, só é hoje possível e viável na base de um autêntico individualismo ou personalismo liberal-aristocrático, que é a antítese mesma do homem-massa de que nos falava ORTEGA Y GASSET (Cfr. A rebelião das massas, 1 930), ou do individual manqué de que nos falou OAKESHOTT: ser-aí, ou estar-aí, sem Existência.
Sendo aquela para nós legítima, hoje, só como aristocracias abertas e em contexto democrático geral, ela deverá ser constituída exclusivamente por personalidades distintas, excepcionais ou diferenciadas de um estrito ponto de vista qualitativo ou axiológico-moral e cultural e seleccionadas pela sua excelência, a sua boa reputação, a sua qualificação, o seu valor ou o seu mérito, i. é, sobretudo por aqueles ou aquelas que logrem conduzir uma existência autêntica e manter-se na, ou não abdicar da, dignidade humana do seu ser-si-próprio (Selbstsein).
Também, regra geral, quando autênticas e abertas, as aristocracias são mais vocacionadas para a prudentia (phronésis), a sageza, a moderação, a proporção, a ponderação, o equilíbrio e o justo-meio. Deveriam mesmo, para o futuro, constituir alguns órgãos políticos e constitucionais fundamentais, como por exemplo a Câmara Alta Legislativa, ou Senado, do modelo constitucional e político da Demarquia, proposto por FRIEDRICH HAYEK.
3. Quanto ao elemento monárquico do regime de constituição mista diremos apenas que, não tendo nós qualquer anacrónico dogmatismo ideológico em relação ao regime republicano de governo, entendemos que não está afastado (ou não deve estar afastado) que, contra todos os dogmatismos estabelecidos e contra a mera inércia do que simplesmente aí está, a questão e a causa da Monarquia venham de novo a ser discutidas em Portugal e, porventura, a ser aceites consensualmente, mediante, por exemplo, uma oportuna consulta popular, desde que conduzido o processo com liberdade, isenção, objectividade e esclarecimento.
Com efeito, quanto a nós, e pressupondo uma possível adopção, no futuro, em Portugal, de um regime constitucional e político de acordo com o modelo da Demarquia proposto por FRIEDRICH HAYEK, a Chefia do Estado deveria ter um carácter de dignidade sobretudo moral e simbólica, já que visaria apenas (e não é pouco !) representar, na pessoa de um indivíduo singular, que deve ser «um homem só» (embora não isolado), acima dos partidos e de quaisquer outros grupos de interesse organizados e acima das tarefas correntes da «governação», a dignidade, a unidade, a identidade, a estabilidade e a continuidade nacionais.
4. Aliás, recorrendo à conceptologia usada por ORLANDO VITORINO (Cfr. Exaltação da Filosofia Derrotada, 1983), que distingue entre a Nação (que é «… o conjunto das gerações ─ passadas, presentes e futuras ─ de portugueses…»), a Pátria (que é «…a entidade espiritual de Portugal e exprime-se, existe e perdura na língua, na arte e na história»), a República, como comunidade público-política (que é «…a “coisa pública”, reúne o que é comum interesse, virtual ou manifestamente imediato, de todos os portugueses») e o Estado (que é «… a efectivação do Direito ─ na Nação, na República e na Pátria ─ segundo a Verdade, a Liberdade e a Justiça»), diríamos que, o Monarca representaria e simbolizaria, sobretudo, a Nação e a Pátria, na sua transcendência e continuidade intemporal, mais do que apenas ser também um Chefe de Estado e da República.
Ponto é que haja suficiente consenso democrático sobre a re-instauração desta instituição ─ a Monarquia ─, tão necessária, uma vez que parecem criadas em Portugal as condições subjectivas e pessoais de legitimidade dinástica para a sua existência, sucessão e continuidade.
Coimbra, Julho de 2 007.
Virgílio de Jesus Miranda Carvalho.